sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Mais Mário Quintana.

Eu escrevi um poema triste (A cor do invisível)

Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza...
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel...
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves...
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!

Presença

É preciso que a saudade desenhe tuas linhas perfeitas,
teu perfil exato e que, apenas, levemente, o vento

das horas ponha um frêmito em teus cabelos...

É preciso que a tua ausência trescale

sutilmente, no ar, a trevo machucado,

as folhas de alecrim desde há muito guardadas

não se sabe por quem nalgum móvel antigo...
Mas é preciso, também, que seja como abrir uma janelae respirar-te, azul e luminosa, no ar.
É preciso a saudade para eu sentir

como sinto - em mim - a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista

que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te.


Da observação (Espelo Mágico)

Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...


Trova

Coração que bate-bate...Antes deixes de bater!

Só num relógio é que as horas
Vão passando sem sofrer.


XVII (A rua dos cataventos )

Da vez primeira em que me assassinaram,

Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou

O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.
Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!

Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!

Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!


Esperança

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano

Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem

Atira-se
E— ó delicioso vôo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança...
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...


Inscrição para um portão de cemitério (A cor do invisível)

Na mesma pedra se encontram,
Conforme o povo traduz,
Quando se nasce - uma estrela,
Quando se morre - uma cruz.
Mas quantos que aqui repousam
Hão de emendar-nos assim:

"Ponham-me a cruz no princípio...E a luz da estrela no fim!


O trágico dilema (Caderno H)

Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro.


1 Comentários:

Às 27 de novembro de 2009 às 19:24 , Blogger Tiago VC disse...

"O trágico dilema (Caderno H)

Quando alguém pergunta a um autor o que este quis dizer, é porque um dos dois é burro."

Mto bom! *rs

 

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